Clark Kent aperta o nó da gravata. Um gesto simples, quase banal, mas que antecede algo grandioso. Com o som de um rasgo, a camisa se abre e revela o “S” no peito.
É a imagem clássica da transformação: o momento em que a máscara cai… ou será que é quando ela se encaixa?
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ToggleSuperman é um ícone da cultura pop, mas também um espelho psicológico. Ele nos fala de identidade, pertencimento e conflito interno, temas que atravessam tanto os quadrinhos quanto o processo terapêutico.
Somos feitos de histórias
Segundo o autor Jonathan Gottschall, “somos a espécie que conta histórias”. E não é apenas uma habilidade cultural, é uma necessidade psicológica.
Contamos histórias para dar sentido ao caos da existência. Criamos narrativas para entender quem somos e para onde estamos indo.
E os super-heróis talvez sejam os mitos modernos mais poderosos que temos para isso.
Ele nasceu em um planeta que não existe mais. Foi enviado à Terra ainda bebê, envolto em despedidas e esperança. Cresceu no interior dos Estados Unidos, numa fazenda no Kansas, com pais humanos que o criaram com amor, mas também com a estranheza de alguém que sabe que seu filho não é deste mundo.
Kal-El é seu nome de origem. Mas o mundo o conhece como Superman. E, para sua família, ele sempre será Clark Kent.
Quem, afinal, é ele?
Essa pergunta, aparentemente simples, carrega uma profundidade que ecoa na terapia.
Superman é um dos poucos heróis cuja máscara não esconde sua identidade… ela a revela.
Quando veste o uniforme azul e voa, ele se mostra como Kal-El. Quem se esconde, na verdade, é Clark Kent, o jornalista tímido, de gestos contidos e voz mais baixa.
Durante décadas, discutiu-se: Clark seria apenas um disfarce? Ou seria Superman a máscara que cobre o homem?
Na Gestalt-Terapia, talvez a pergunta seja outra: não qual identidade é a “real”, mas como elas dialogam. Como essas figuras se alternam em meio à história, às necessidades, e à humanidade desse personagem.
Clark Kent não é menos verdadeiro que Superman. Ambos são expressões legítimas da mesma pessoa, com potências, fragilidades, conflitos e escolhas. Em vez de esconder, ele revela.
O medo de ser visto
No livro The Psychology of Superheroes, a psicóloga Robin S. Rosenberg propõe que o que torna esses personagens fascinantes não são os superpoderes, mas suas vulnerabilidades humanas.
E Superman talvez represente o maior deles: o medo de não ser aceito ao se mostrar como realmente é.
Na clínica, escuto pessoas que sentem que precisam ser versões diferentes de si em cada espaço que ocupam, no trabalho, em casa, nas redes sociais.
Muitas vezes, essas “máscaras” são adaptações, não escolhas. São formas de se proteger, de pertencer.
Como Superman, há um conflito entre o desejo de ser visto e o receio de ser rejeitado.
Na série Smallville, há uma cena em que Clark diz:
“E se, quando descobrirem quem eu sou, ninguém quiser mais ficar perto de mim?”
Essa frase poderia ser dita por qualquer pessoa que teme se mostrar.
E isso nos convida a pensar: até que ponto nossas máscaras nos protegem? E até que ponto nos aprisionam?
Vulnerabilidade não é fraqueza
Muitos de nós crescemos com a sensação de que precisamos ser fortes o tempo todo. Que mostrar insegurança é sinal de fraqueza. Que pedir ajuda é um risco.
Mas Superman não é apenas invulnerável.
Ele também sofre, se questiona, sente saudade, luto, medo.
Sua força não está apenas no voo, está na escolha diária de agir com compaixão, mesmo quando poderia impor-se com brutalidade.
Em uma sociedade que valoriza desempenho e controle, ele nos lembra: até o mais forte pode chorar.
Reconhecer a própria vulnerabilidade não nos enfraquece. Nos humaniza.
A jornada que é nossa também
Ser de outro planeta e viver entre humanos é um símbolo potente para quem já se sentiu deslocado, seja na família, na cultura ou no próprio corpo.
Na estrutura clássica da narrativa, a Jornada do Herói, proposta por Joseph Campbell, Superman vive etapas que ecoam em qualquer trajetória de transformação.
Ele é arrancado de seu mundo (Krypton), enfrenta crises internas e externas, encontra aliados, confronta vilões e retorna transformado.
Esse caminho também é o de quem inicia um processo terapêutico.
Primeiro vem o desconforto, depois o chamado à mudança.
Vêm as dúvidas, os enfrentamentos, as perdas… e aos poucos, o encontro com aquilo que se é. Não como uma verdade pronta, mas como um processo vivo.
O personagem que mora em nós
Will Storr, no livro The Science of Storytelling, afirma que todo ser humano é um “personagem em busca de coerência”.
Construímos uma narrativa interna para dar sentido à vida, mas essa história costuma conter distorções, zonas cegas, crenças rígidas.
É justamente o conflito entre essa autoimagem e a realidade que move tanto os personagens quanto as pessoas reais.
Na Gestalt-Terapia, chamamos isso de awareness: tornar-se consciente das partes de si que estavam ocultas, negadas ou esquecidas.
O herói, assim como cada um de nós, não precisa ser perfeito.
Precisa apenas ter coragem de olhar para dentro. E atravessar a travessia.
E você?
Qual é a sua Krypton?
Que parte de si você sente que precisa esconder?
E o que aconteceria se você a deixasse aparecer, aos poucos?
Superman não é interessante porque é invencível.
Ele é interessante porque tem medo. Porque carrega em si um mundo perdido, uma história adotada, e a coragem de continuar se construindo, entre um voo e outro.
Como nós, ele ainda está aprendendo a ser quem é.
Se você se viu nessas reflexões…
E sente que está pronto para olhar com mais carinho para suas próprias narrativas, saiba que não precisa fazer isso sozinho.
Como psicólogo clínico, ofereço um espaço de escuta, acolhimento e construção conjunta de sentido.
Caso deseje agendar uma conversa ou saber mais sobre o meu trabalho, entre em contato pelo botão abaixo. Será um prazer te acompanhar nesse processo